19/04/1976 - Revista Visão – Em debate a livre empresa nacional
Essa matéria será reproduzida na íntegra, devido a bagagem e experiência dos empresários, economista e agricultores. Aproveitamos para homenagear o saudoso empresário Maurilio Biagi, pai, mentor e ídolo de Luiz Lacerda Biagi.
Dois economistas, dois empresários, um agricultor e um político foram reunidos por Visão numa mesa redonda para debaterem problemas do desenvolvimento brasileiro e da empresa privada nacional. Depois de quase cinco horas de discussão, concluiu-se que havia entre os circunstantes mais acordo do que divergências. Sobre um ponto, houve unanimidade: o Brasil enfrenta um crescente e acelerado processo de estatização da economia. Quanto às medidas capazes de viabilizar a reversão desse processo e, benefício da empresa privada e do país, cada participante deu destaque aos problemas relacionados ao seu campo específico de atividade, sem que, nas generalidades, se notassem discordâncias básicas. Da mesma forma, cada um deu um enfoque específico ao problema da estatização, ao diagnosticar a sua existência.
Participaram dos debates: o economista Adroaldo Moura da Cunha, professor da Faculdade de Economia e Administração e do Instituo de Pesquisas Econômicas, ambos da Universidade de São Paulo, PhD em economia pela Universidade de Chicago e antigo colaborador de Delfim Netto no Ministério da Fazenda; o agricultor Ruben Ilgenfritz da Silva, presidente da Cooperativa Regional Tritícola Serrana ( Cotriju), de Ijuí, Rio Grande do Sul, engenheiro agrônomo formado pela faculdade do Rio Grande do Sul; o agricultor e empresário Maurilio Biagi, fundador e presidente do Conselho da Zanini S.A. Equipamentos Pesados e presidente da Usina Santa Eliza, de açúcar e álcool, em Sertãzinho, São Paulo; o economista e empresário Luiz Lacerda Biagi, formado pela Universidade Mackenzie, de São Paulo, diretor-vice presidente da Zanini S.A. Equipamentos Pesados, diretor comercial da Usina Santa Eliza e diretor do Centro do Comércio do Estado de São Paulo e do Sindicato de Máquinas do Estado de São Paulo; Luís Carlos Lemme, formado em Economia pela Faculdade de Ciências e Políticas Econômicas do Rio de Janeiro e, Engenharia pela Escola Nacional de Engenharia, supervisor de várias unidades técnicas da Hidroservice; o senador Milton Cabral, a Arena da Paraíba, presidente da Comissão de Economia do Senado Federal, engenheiro formado pela Universidade Mackenzie, em São Paulo. Tomou parte também nos debates o engenheiro Henry Maksoud, diretor presidente do Grupo Visão e da Hidroservice - Engenharia de Projetos.
ADROALDO MOURA DA SILVA
̶ Ao voltar para o Brasil, em 1972, depois de quatro anos de ausência, fiquei realmente estarrecido com o processo de centralização que encontrei, não só do ponto de vista da estatização propriamente dita, mas da centralização política. No que diz respeito à estatização, em particular, vejo-a como um processo abrangente que envolve a decisão política, tomada pela Revolução, de conduzir nosso desenvolvimento econômico de maneira unitária. O problema preocupou-me muito, pois tenho formação liberal ̶ e quando digo liberal estou mais próximo do conceito que essa expressão continha no século XIX do que do conceito de liberal hoje reinante nos Estados Unidos, onde o liberal é intervencionista, fiscalista ̶ e durante esses últimos quatro anos passei por um processo de reeducação para entender as razões dessa unificação do poder e, dentro desse processo, as razões da estatização. Quando cheguei ao Brasil, o professor Mario Henrique Simonsen havia escrito um trabalho em que dizia que o grande segredo do modelo brasileiro de crescimento residia no tripé poupança, mercado e confiança. Assustei-me com essa colocação. Quanto à poupança está certo, por que ela é compulsória. Mercado, no meu entender havia pouco. E confiança, naquela época, sem dúvida havia muita. E nesse processo de reducação procurei então, em primeiro lugar, compreender o que significa economia de mercado no Brasil. Significava o seguinte: não confiamos no caráter alocativo da economia de mercado; portanto, devemos dirigir os investimentos, criar o sistema de incentivos fiscais, para dizer aos empresários qual a direção que eles devem investir, porque o mercado por si mesmo jamais será capaz de dar as direções desejadas pela sociedade. Inicialmente tive uma atitude bastante contrária ao processo de estatização decorrente desse modo de colocar as coisas. Sou obrigado a confessar, hoje, apesar de não ser defensor da estatização, que não tenho muito medo dessa estatização. E vou tentar explicar a razão disso.
Como economista teórico a gente idealiza o mundo da seguinte maneira: uma economia de mercado com propriedade privada assegurada e direito sobre a propriedade exercido livremente pelo individuo conduz a uma solução que o economista diz “ótima”, na qual os fatores são utilizados racionalmente, com eficiência, e a sociedade maximiza o nível de produção. Existem algumas exceções que podem conturbar essa harmonia clássica do sistema capitalista. Tais exceções estão essencialmente localizadas no que o economista chama de “externalidades”. Estas são, por exemplo, o que comumente chamamos de poluição, as distorções que a ação individual provoca no processo de urbanização, etc. Essas externalidades podem provocar ou trazer a intervenção do Estado como agente disciplinador, controlador. Não é uma intervenção direta. Keynes, no entanto, criou o ambiente intelectual propício para que houvesse uma profunda reversão nessa concepção microeconômica do mundo. Ele abriu caminho no meu entender, para o que hoje chamamos de estatização. Keynes tentou provar que essa harmonia clássica não tem só externalidades a conturbá-la; é inerentemente instável, gera desemprego e o Estado é, no sistema, o elemento fundamental para garantir o crescimento, minimizar os atritos sociais do desemprego, etc. A partir de Keynes, mesmo economistas liberais começaram advogar a intervenção do Estado para garantir o mínimo de estabilidade social e econômica. Analisando o problema brasileiro dentro do esquema keynesiano, a participação do Estado na economia, para manter a estabilidade social, certamente é desejada. Com base nessa premissa, cheguei a outra conclusão, que para mim foi até estarrecedora: pensando em termos macroeconômicos e de crescimento econômico, percebe-se que um dos fatores essenciais no crescimento recente das grandes empresas do mundo ocidental reside na taxa de inovação tecnológica, ou seja, a tecnologia é o novo elemento dominante do crescimento econômico. E aí surge um grande problema que até hoje não consegui resolver e que quero colocar aqui: a economia de mercado funciona quando se pode definir o direito de propriedade. A tecnologia é alguma coisa impalpável, não é um bem físico, é um conhecimento útil para o processo produtivo, sobre o qual é muito difícil definir o direito de propriedade e exercê-lo. A essência da economia de mercado, repito, é o direito de propriedade bem definido e passível de ser exercitado; sendo a tecnologia o centro da atividade econômica e o elemento propulsor do sistema capitalista, o problema da definição de direito de propriedade ganha definições muito sérias e, portanto, pode conduzir a situações extremamente delicadas. A gente aprende da experiência americana, por exemplo, que o processo de garantir o direito de propriedade sobre inovações tecnológicas foi feito, em primeiro lugar, artificialmente, através do exercício de patentes. Mas percebeu-se há muito tempo que tal sistema não é suficiente para garantir esse dinheiro. E a alternativa institucional que surgiu foi o gigantismo das empresas, essencialmente através do processo de multinacionalização, que tem muito a ver com a tentativa de privatizar os retornos sobre os investimentos realizados em tecnologia. Esse processo não é, digamos, legal, não é institucional do ponto de vista do processo de privatização dos meios de produção. Juridicamente é muito difícil definir direito de propriedade sobre know how. A maneira de defini-lo é exercê-lo diretamente e inibir o acesso às novas informações.
É lógico que há inúmeros problemas ligados à intervenção do Estado na economia que não tem muita coisa a ver com isso. Mas creio que como polarizador da discussão deveríamos colocar esse problema: o da definição do direito de propriedade sobre os bens a respeito dos quais não se conhece muito. E, no meu entender, no caso do Brasil o problema básico, hoje, é tentar definir como será gerida a propriedade comum, porque ela, inevitavelmente, historicamente, está aí e vai continuar crescendo. Precisamos, pois, colaborar na busca de soluções que viabilizem liberdade com propriedade comum.
Não se pode lutar contra a estatização sem propor alguma coisa. Não se pode pensar e desestatizar um Estado unitário. Não se pode pensar em desestatizar e permitir que se agigantem empresas, sob um comando único.
Em resumo, para não me alongar mais: devemos tomar como um fato inelutável a estatização e tentar conceber um novo sistema que permita à liberdade individual conviver com a propriedade comum, o que acredito inevitável.
HENRY MAKSOUD ̶ O que você entende por propriedade comum? É no sentido de a tecnologia ser propriedade comum ou é algo mais? E o que seria essa estatização que você acha inevitável?
ADROALDO ̶ Tomei a estatização como o caminho inevitável do avanço tecnológico, porque se trata de bens em relação aos quais não se pode definir o direito de propriedade. A tecnologia é uma informação que, se apropriada por um terceiro indivíduo, pode se levar qualquer outro a se beneficiar do investimento.
MAKSOUD ̶ ... estabelecido pelo Estado.
ADROALDO ̶ Exatamente. Você evoca a intervenção do Estado para assegurar um direito, o que é perfeitamente permissível no sistema capitalista, mas ainda não se descobriu maneira de garantir o exercício desse direito.
MAKSOUD ̶ Mas você está aceitando que deve haver esse direito. Não entendi bem o que seria a propriedade comum. Seria a propriedade de patente?
ADROALDO ̶ Exatamente, pois a patente é, digamos, um conhecimento gerado, é um bem comum, segundo os economistas, cuja utilização não envolve nenhum custo.
MAKSOUD ̶ Mas o que estimularia então a evolução tecnológica?
ADROALDO ̶ O drama que surge nos sistema capitalista é exatamente este: como, então, minha empresa será estímulo para investir em tecnologia? Deixe-me esclarecer que não estou dizendo que essa propriedade deverá ser comum. Eu digo que ela tende a ser comum.
LUIS CARLOS LEMME ̶ Permita-me discordar da sua tese de que o aprofundamento da pesquisa tecnológica e o seu uso, em termos privados, debilitam o poderio das corporações capitalista, em benefício do poderio do Estado. Acho, que ao contrário, a pesquisa reforça o poder das grandes empresas, em vez de estar atuando no sentido de gerar um propriedade não-capitalista, ou seja, a propriedade comum.
ADROALDO ̶ Gera por reação. Reação ao poder da empresa multinacional. A reação natural, ou defesa natural, será a intervenção do Estado, para coibir o poder que essas empresas tem.
LEMME ̶ Isso não exclui a perspectiva de que você reforça grandes segmentos do sistema capitalista exatamente por manter a pesquisa tecnológica de ponta.
ADROALDO ̶ Mas ela traz em si ̶ pelas externalidades referidas ̶ a contradição de chamar o Estado para o controle da atividade privada.
RUBEN ILGENFRITZ DA SILVA ̶ O Adroaldo colocou o problema do ponto de vista acadêmico e eu, até por minha formação, vou colocá-la do ponto de vista prático: a participação do Estado na economia brasileira é fruto, sob alguns aspectos, de certo comodismo da iniciativa privada ou realmente o Estado não está dando oportunidades a iniciativa particular? Creio que posso responder a essa pergunta com um depoimento sobre a vivência diária que temos do problema no Rio Grande do Sul. Vivemos em um País em desenvolvimento e estamos acostumados à ideia de que é muito mais fácil importar tecnologia do que desenvolvê-la. É muito mais cômodo, como também é mais cômodo reivindicar do que executar. Podemos sentir isso, como disse, na nossa experiência diária. Durante muito tempo ficávamos a indagar, por exemplo, por que tínhamos tanta dificuldade para conseguir escoar a produção de uma safra. Até que chegou um momento em que concluímos que, se não fossem tomadas providencias, pelo Governo ou por nós mesmos, seríamos obrigados a parar de produzir , simplesmente porque não teríamos mais condição de colocar nosso produto no mercado, especialmente no mercado internacional. Então fomos saber primeiramente do Governo federal o que se pretendia realizar em termos de infra-estrutura para resolver problema de escoamento da safra. Não havia nada programado, ou, pelo menos, não havia nada suficientemente programado. Aí, partimos nós mesmos, para a solução do problema, inclusive desprezando tudo que já existia, porque de nada servia. Partimos, então, por exemplo, para a construção, com tecnologia que nós mesmos desenvolvemos, de um terminal portuário que, em vez de ter um silo vertical, que levava três anos para ser construído e era proporcionalmente muito mais caro, tem um armazém horizontal. E hoje dispomos de um terminal portuário para o escoamento da safra agrícola que não fica a dever nada a qualquer outro que exista no mundo.
Com base nesse exemplo, creio poder afirmar que o problema de maior ou menor estatização da economia depende, em boa parte, de uma definição do próprio empresário brasileiro. É verdade que nem sempre as coisas se resolvem tão facilmente como no exemplo que mencionei. Certa ocasião, tentamos atacar, ainda no setor de transportes, outro problema vital para o escoamento da produção agrícola gaúcha: ramais ferroviários.
Por nossa conta, elaboramos projeto de viabilidade econômica de um ramal ferroviário e o levamos ao Governo, oferecendo-nos até para colaborar na execução da obra ̶ forneceríamos os dormentes. Mas não tivemos resposta. Ora, ficamos então a imaginar: o Rio Grande do Sul é um Estado eminentemente agrícola, que por isso mesmo tem que desempenhar um papel muito importante dentro da economia brasileira, mas enfrenta o problema gravíssimo do estrangulamento do processo de produção no transporte das mercadorias da zona de produção até os portos. E não é só um problema do Rio Grande do Sul. Acontece o mesmo com a produção agrícola do Sul de Goiás, do Sul do Mato Grosso, do Triângulo Mineiro, que converge toda para o porto de Santos, que já está saturado. E não há nenhum projeto para, a curto prazo, para viabilizar a execução do terminal de Vitória, por exemplo. Todos sabem que o porto de Vitória oferece excelentes condições, com 80 metros de caldo, e que dalí poderíamos, inclusive, agredir o mercado internacional em termos de grãos, com enormes vantagens sobre qualquer outro País. Mas não existe nada de concreto em relação a Vitória.
São exemplos como esse que citei, e haveria muitos outros mais, que nos trazem infinitas preocupações com relação a um modelo brasileiro de desenvolvimento e coloca a questão de saber se é realmente a iniciativa privada que não se encontra suficientemente organizada e estimulada para enfrentar o problema, enfrentar as necessidades de nosso crescimento, ou se é o Governo que não está disposto a ter na iniciativa privada seu parceiro nessa gigantesca tarefa.
MAURILIO BIAGI ̶ Também eu não pretendo colocar o problema em termos acadêmicos. Meus conhecimentos de economia são, digamos, municipais. O que posso dizer, com base em minha experiência de empresário nos setores agropecuário e industrial, é que também constato o fato, a realidade inquestionável da existência, no Brasil, de um processo de estatização que se desenvolve num ritmo acelerado. E, estranhamente, num Governo que, ao meu ver, talvez mais do que outros, está cheio de gente que acredita na iniciativa privada. O problema é encontrar explicações para essa realidade. Na minha maneira um tanto simplista de ver as coisas, assalta-me igualmente a dúvida externada agora a pouco pelo Ruben da Silva. Será que há uma deficiência da iniciativa privada em todo esse processo? Qual é a culpa do Governo? Na verdade, parece-me que ambos têm culpa. A verdade é que o Governo é uma grande empresa que sofre dos mesmos males de toda empresa. Não tem quadros. Não tem gente suficientemente capacitada para entender a resolver todos os problemas, para ver claro e dar solução. Entra um ministro e leva para o Governo uma rapaziada brilhante, todo mundo PhD, que se propõe entender de todos os problemas, mas que, na realidade, apesar de sua brilhante formação acadêmica, não tem a vivência de nossos principais problemas. O ministro sai, a rapaziada sai junto. Entra novo ministro e entra nova rapaziada e começa tudo de novo. Talvez em consequência disso, o Governo tem-se jogado em algumas aventuras já comprovadamente fracassadas e em outras que possivelmente vão resultar em malogro. O que não significa, é lógico, que não haja, por parte dele, a melhor das intenções possíveis. Temos hoje o exemplo do presidente Ernesto Geisel, de que todos nos devemos orgulhar. É um home de levado gabarito moral, experiente. Mas, apesar disso, o processo de estatização está aí.
Então o que vemos é que o Governo começa a entrar em certos setores da economia que tradicionalmente deveriam caber à iniciativa privada. Entra, por exemplo, como entrou recentemente, no setor de adubos, porque ele era avalista de uma empresa privada que fracassou e então ele teve que assumir a responsabilidade. Foi o que aconteceu igualmente no campo de siderurgia, com a Cosipa, em São Paulo: o Governo deu a ela mais crédito do que ela poderia assumir e acabou tomando conta da empresa. É o caso também da Acesita, em Minas, que era uma empresa privada. Seja por esse caminho, seja por outro ̶ e também porque está ansioso por acelerar o processo de nosso desenvolvimento num ritmo que nem sempre a empresa privada pode acompanhar ̶ , o Governo vai entrando nos setores da economia que poderiam e deveriam caber à iniciativa privada e, depois que entra, por um processo de contaminação, de inchação, vai estendendo seus tentáculos e absorvendo outras atividade, pela força daquela necessidade de crescer que também a empresa privada tem. Há vários exemplos aí de grupos privados com atividades amplamente diversificadas. E o Governo parece que tende a agir da mesma forma.
Por outro lado, embora eu seja um modesto lavrador de Sertãozinho que não pode ter a pretensão de apresentar grandes soluções para todos os graves problemas do País, creio que, como empresário, posso fazer uma espécie de autocrítica da classe empresarial. Somos todos contra a estatização. Porém, sempre que nos sentimos em apuros, recorremos ao Governo, partindo do princípio de que ele é quem deve resolver o problema. Acho que seria necessário que o empresariado tivesse uma visão mais aberta dos problemas que enfrenta que deixasse de recorrer tanto ao Governo, sempre reivindicando a solução mais fácil de financiamentos baratos, a juros baixos e prazos longos. Com essa história de o Governo estar sempre presente, socorrendo aqui e ali, vai-se criando uma mentalidade paternalista que leva o empresário a querer sempre mais, a exigir sempre mais, a depender sempre mais do Governo. E esse é um dos fatores que em minha opinião, ajuda a criar essa mentalidade que leva rapidamente à estatização.
O empresário deve conscientizar-se de que é preciso colaborar também com o Governo, em setores que não necessariamente típicos de sua atividade. Nós, por exemplo, estamos há muitos anos dedicados a pesquisas no setor de inseminação artificial, porque entendemos que uma das maneias de melhorar e acelerar o aperfeiçoamento genético do gado brasileiro é através da inseminação. Estamos fazendo um trabalho que, em princípio, poderia caber ao Governo. Porque se trata de pesquisa, de experimentação, de investimento sem perspectiva de retorno em curto prazo, mas que assumimos por iniciativa própria. Resumidamente, esse é o enfoque simplista que dou ao problema.
LUIZ LACERDA BIAGI ̶ Eu gostaria de colocar aqui, como premissas para a posição que pretendo posteriormente desenvolver, dois depoimentos publicados pela imprensa. O primeiro é de Antony Burgess: “O que inquieta é o irracional que jorra das alturas. É errado pensar que nos problemas estão sempre em termos de associação, ou grupo, ou partido. Somos indivíduos solitários, cada um lutando seu pequeno combate. Nenhum Estado, democrático ou totalitário, gosta disso. O Estado não gosta do indivíduo. O que me preocupa é que as pessoas sejam autônomas, que fiquem tranquilas e que se deixe ficá-las assim, que o papel da organização estatal seja reduzido ao mínimo, que o Estado interfira o mínimo possível na vida do indivíduo. O Estado deveria, enfim, ser uma coisa tão útil e desinteressante quanto um sistema de irrigação. Para mim, as sociedades são pessoas livremente organizadas, regidas por essas mesmas pessoas e não impostas a elas, pessoas que se parecem com as outras como nos pubs onde as vemos cantar, rir e brigar, pessoas que se realizam individualmente pelo contato com as outras. Entre essa visão de comunidade e do Estado há um abismo intransponível. Na verdade não acredito em nenhuma forma de Governo”.
É lógico que se trata de um coloração anarquista, mas podemos extrair muita coisa de seu pensamento. Em seguida vou ler um trecho de reportagens publicadas recentemente pelo jornal O Estado de São Paulo sobre o tema “Os perigos de estatização”: “A crescente concentração de poder nas mãos dos tecnocratas das empresas estatais é apontada por políticos, empresários privados e até por funcionários do Governo como a mais grave consequência da estatização da economia brasileira. Esse poder é exercido em todos os níveis ̶ municipal, estadual e federal. Em muitos casos sobrepõe-se ao poder legal, tumultuando o processo político, subvertendo a ordem constitucional e comprometendo seriamente os esforços em favor da volta do Estado de Direito. Todos os setores ouvidos pelo Estado manifestaram preocupação com o rumo político a que conduz esse processo. Ainda mais que ele não resultou de uma decisão tomada, mas da evolução de uma situação impulsionada pela própria inércia. Por esse motivo, aqueles setores consideram indispensável uma definição clara e definitiva sobre a questão fundamental: que tipo de sociedade pretende o Brasil construir? Para muitos a resposta já existe e está na constituição. Pergunta-se apenas: quando o próprio governo começará a cumpri-la? Para outros, a participação do Estado, das empresas privadas nacionais e das estrangeiras no bolo econômico deveria ser decidida após um debate nacional, o que pressupõe um franquias democráticas e toda uma ordem constitucional favorável. O problema disse um ex-governador, está em que o debate foi extinto, apesar de toda uma aparência de normalidade. O Poder Legislativo e o Judiciário sofreram tantas perdas e tantos golpes que na sua representatividade está abalada. No fundo, a estatização é apenas um fruto do autoritarismo e só num regime como o brasileiro encontra campo para progredir. A contrafação é o Estado de Direito no qual não só as empresas mas qualquer cidadão veem respeitadas essas prerrogativas”.
Creio que essas duas citações colocam, em síntese, a nossa problemática. Mas entendo, evidentemente, que o problema é muito mais complexo, porque envolve interesses universais que são muito maiores do que o interesse particular do desenvolvimento brasileiro. Por isso, creio que é impossível hoje definirmos um modelo de desenvolvimento para o Brasil sem levarmos em conta as influencias do meio exterior.
Entretanto, resumindo a questão, creio que poderíamos considerar três pontos. O primeiro diz respeito à tecnologia. Concordo com o professor Adroaldo em que o grande problema é o da definição do direito à tecnologia. O comando, a decisão dos destinos do mundo, concentra-se no domínio da tecnologia. E, quando se coloca o problema em relação ao direito de propriedade, entendo que a única solução, é realmente a não proteção, porque, se o conhecimento tecnológico passar a ser propriedade comum no mundo, sem dúvida o risco do empresário aumentará, mas aumentará para todos os empresários, incorporando-se, como problema, a todos os demais inerentes à economia de mercado. Vejam, por exemplo, o que ocorre com a nossa legislação do INPI, que foi elaborada, na minha opinião, a partir da premissa de que nós, brasileiros, é que somos os sabidos e podemos passar a perna em todo mundo. As normas de transferência de tecnologia estabelecidas pelo INPI permitem à empresa brasileira romper, depois de cinco anos, o contrato de pagamento de royalties, não oferecendo ao fornecedor de tecnologia uma garantia segura de retorno satisfatório. Posso afirmar, com segurança, que não existe nenhuma empresa hoje, no exterior, interessada a fornecer tecnologia ao Brasil dentro dessas regras. Refiro-me, evidentemente, às empresas que disponham de tecnologia competitiva. E isso torna o problema muito grave, porque nosso desenvolvimento tecnológico está comprometido em função de não termos recursos para pesquisa. Esse é, obviamente, um problema que tem que ser resolvido pelo Governo, cabendo a nós, empresários, oferecer sugestões.
Só para ilustrar o ponto, vejam o problema do acordo nuclear com a Alemanha. Empresas alemãs fizeram, com o Governo brasileiro, um acordo por meio do qual se manterá o conhecimento tecnológico lá mesmo. É um equívoco pensar que vamos adquirir know how em tecnologia nuclear.
SENADOR MILTON CABRAL ̶ Peço licença para observar que no programa da Nuclebrás existe uma empresa associada, criada especificamente para gerar tecnologia. Não vamos apenas importar tecnologia, mas criá-la aqui mesmo.
LEMME ̶ Se me permitem, gostaria de observar também que concordo totalmente com a afirmação do Luiz Biagi de que o acordo atômico não trará nenhum conhecimento tecnológico para o Brasil. Eu diria, senador Milton Cabral, que historicamente estamos numa situação parecida com a década de 20, quando os alemães, impedidos de guerrear, elegeram a União Soviética como campo de provas. Hoje, como estão proibidos de fabricar artefatos nucleares, elegeram o Brasil como campo de provas. Acompanhei bem o desenvolvimento do acordo e posso afirmar que há cláusulas que vedam à iniciativa privada brasileira o acesso ao coração do processo. Estamos, eu diria, diante da maior “caixa preta” da história brasileira.
LUIZ BIAGI ̶ Exatamente. Prosseguindo, acho que em segundo lugar vem o problema do protecionismo do Governo brasileiro a determinados setores de nossa economia, o que considero outro grande equívoco. Como diretor de sindicato, tenho sempre combatido o protecionismo, o sistema do CPA, o sistema de proteção das alíquotas de importação. No futuro, quando o Brasil for importador de 50 bilhões de dólares, jamais poderá adotar uma resolução como a 354, que é uma afronta à autodeterminação dos povos, à convenção de Genebras e ao GATT. Porque os países estrangeiros ficaram quietos? Porque o Brasil é importador de apenas 12,5 bilhões de dólares. Não afetou seriamente ninguém, não atrapalhou a vida de ninguém. Mas no dia em que o Brasil for importador de 50 bilhões de dólares, não poderá mais adotar essa política. E então as barreiras alfandegárias cairão por terra e a empresa nacional que não tiver condições de competir internacionalmente morrerá. E, infelizmente, essa é a tendência. Hoje a empresa privada nacional está prensada entre a invasão do Estado e a invasão das multinacionais. Além disso, ainda dentro desse ponto, o sistema de incentivos, como o da Sudene e o da Sudam, gera distorções muito graves para a economia e dificuldades futuras que muitas vezes serão intransponíveis.
Finalmente, o terceiro ponto, que é a incapacidade de o empresário brasileiro dar realmente um pouco mais de si para os problemas do País. A tendência que ele tem, como disse meu pai, de recorrer sempre ao Governo para pedir e raramente para oferecer.
A soma desses três problemas básicos constitui, a meu ver, a grande dificuldade que encontramos para formular um modelo futuro de desenvolvimento com base na iniciativa particular.
LEMME ̶ Vou tentar, sem ser simplista, simplificar e fazer uma análise de caráter pragmático da questão colocada. Dentro desse esquema, gostaria de formular três questões. A primeira prende-se às causas visíveis, ou diretas, do processo de estatização, limitando-se apenas ao processo atual de intervenção do Estado na economia brasileira. Há primeiro o processo de acumulação implantado no País, independente da variável tecnológica: hoje, estamos diante quando do monopólio estatal do processo de captação, gestão e alocação de poupança. Quem comanda a acumulação, comanda o investimento também. Quem se der ao trabalho de examinar o boletim do Banco Central, de dezembro de 1975, verificará a fantástica expansão dos fundos de poupança forçada, dos títulos da dívida pública e dos mecanismos afins que caracterizam, hoje, uma situação que vai a já bem mais de 30% da poupança global. Este é um processo muito vigoroso e que se aprofunda. Os mecanismos de acumulação do país apontam realmente para uma formação que não é a formação de uma economia de mercado, uma economia apoiada na iniciativa privada, pelo menos fundamentalmente. Esse mecanismo que leva ao quase monopólio dda acumulação é, de certa maneira, reforçado pelo mecanismo de preços administrados, criado para conter o processo inflacionário. Esse mecanismo de preços administrados repercute hoje ̶ a despeito da complexa sistemática do CIP e de toda contra-argumentação ̶ no processo de fortalecimento de diversos setores da empresa privada nacional, tendo colocado alguns desses setores em processo de estagnação ou de descaptalização.
A culminação desses dois aspectos ̶ o reforço do quase monopólio da poupança com a política de preços administrados ̶ leva economicamente a algo que nada tem a ver com a economia de mercado, ou com a economia apoiada fundamentalmente no capitalismos, não diria nem clássico, mas do capitalismo moderno.
O segundo aspecto, a meu ver, a outra raiz do problema, é o sistema de planejamento autocrático implantado no país. Não há nenhum mecanismo de mediação. O planejamento estatal é imposto, hoje, sem nenhum recurso válido em que possa haver ações de feedback. Diariamente os órgãos de planejamento estatal produzem planos de projetos que são impostos à Nação sem nenhuma possibilidade de critica ou de revisão em profundidade. São fatos, consumados e, das duas, uma: ou são planos mal formulados, inviáveis que por isso não se implementam, ou tem um mínimo de viabilidade operacional e vão criando situação de fato, ao serem implantados, que nada tem a ver com o mecanismo de preços e sim com um sistema de planificação central. Esta segunda raiz do problema esta associada à falta de democracia política no país. Estamos, enfim, diante de um sistema de planejamento central, sem feedback, de caráter autoritário. É evidente que se pode discutir isso de muitos ângulos. Será que a condição necessária e suficiente para que isso desapareça seria restaurar integralmente a democracia política? O mínimo que se pode dizer em todo caso, é que é preciso democratizar o planejamento. O modelo político que vai estar em cima disso é outro assunto que daria outra mesa redonda. Mas a natureza do planejamento, hoje, é autocrática e favorece o processo de estatização.
O terceiro componente do problema ̶ e a revista Visão tem enfatizado isso ̶ é o componente fisiológico. É o que se chama de expansão da atividade-meio, que tem uma inércia fantástica. É o mecanismo de realimentação pela conversão das empresas estatais a empresas de atividades-meio. Isso também é evidente. A tecnocracia, os gerentes estatais, confundem seus interesses com os interesses do país. Hoje, esses interesses pessoais costumam ser identificados com o interesse nacional, em nome do qual proliferam departamento e empresas estatais. Há nisso um componente fisiológico e também poderoso, próprio da dinâmica do sistema.
A esses três pontos que considero básicos eu acrescentaria, também numa rápida análise pragmática, um componente que chamaria de conjuntural, que acelera o processo de estatização. São dois itens dentro desse componente conjuntural: um deles é a crise cambial, que força a substituição de importações. Não e vacila hoje, em nome do déficit cambial, em criar novas empresas estatais para tentar tapar a curto prazo os buracos e gerar produtos que substituam importações . o outro item é o fato de estarmos em ano eleitoral. A aplicação da máquina do Estado também geram empregos e, aparentemente, em muitos aspectos estamos seriamente ameaçados de voltar à política de clientela. Esse item talvez pudesse ser incluído no componente fisiológico do problema, a que me referi antes.
Um segundo grupo de questões que gostaria de abordar é o que se poderia fazer para deter a estatização e reorientar a ação do Estado. É lógico, que isso abre um extenso campo de discussão, mas vamos, mais uma vez, tentar colocar a questão esquematicamente. Parece-me impossível qualquer volta a economia de mercado sem reorientar o mecanismo de acumulação do país. Estamos diante, hoje, de um suposto mercado de capital, que é um mercado de papéis, não um mercado de capitais stricto sensu, em que o grosso da poupança esta dirigido ou para o mecanismo de poupança forçada ou para os títulos da dívida pública. E, por mais que o Governo nominalmente se declare interessado em reforçar o mercado de capitais, este sofre uma hemorragia profunda e não terá nenhuma condição de recuperação, com ou sem lei de mercado de capitais, simplesmente porque o grosso da poupança é canalizado para outra direção e a rentabilidade da maior parte das empresas é insuficiente.
É possível chegar, em benefício da economia nacional, a desmobilizar setores inteiros da atividade estatal, especialmente no campo da atividade-meio, muitas vezes pela simples razão de o Estado já ter desenvolvido sua atividade pioneira. Um exemplo é o sistema de armazenamento. Era perfeitamente razoável, há dez anos, que o Estado, desempenhasse um papel pioneiro, quando a agricultura ainda era errática, instável, mas zonas incipientes, criasse uma rede estatal de armazéns, por meio da Cibrazem ou da Ceagesp. Mas essa rede já foi superada pela atividade da iniciativa privada, como nos demonstrou a pouco o presidente da Contriju. E isso ocorre em toda parte. Porque, então, a Cibrazem tem que manter suas unidades, quando já existe um vigoroso sistema de granéis privado, ou coperativado? Por que não usar os recursos da Cibrazem para entrar em áreas pioneiras como Norte, Mato Grosso ̶ áreas, enfim, em que a ação do Estado, em caráter pioneiro, se faria necessária?
Considero vital o problema da liberação de recursos estatais para as atividades que são muito mais válidas e úteis ao desenvolvimento nacional do que a insistência em se prosseguir nesse esquema hipertrofiado e de crescimento cego e, sob muitos aspectos, canceroso.
A atividade pioneira do Estado, bem orientada, pode muitas vezes abrir caminho para a iniciativa privada. É o caso típico de Volta Redonda , na área da metalurgia. A história da empresas privadas nacionais do setor metalúrgico é muito diferente antes e depois de Volta Redonda. Mas hoje um dos grandes malefícios do processo de estatização é o fato de levar o Estado a abandonar tarefas típicas de um Governo realmente voltado para o interesse nacional. Por exemplo, está praticamente abandonada toda pesquisa básica no país. Estamos diante de uma situação ou de degradação (isto é, os centros oficiais de pesquisa concorrem hoje, em regime de dumping, com as empresas privadas) ou de alienação (isto é, o Estado ocupa-se de tarefas de pesquisa absolutamente inexequíveis para o país como pesquisa de ponta, de tecnologia avançada, o que implica pesquisas caudatárias que não vão além da mera masturbação científica).
O fato é que, considerado o problema de um ponto de vista abrangente, há um grande mundo de ação estatal hoje no Brasil que não colide com a implantação de um setor privado vigoroso. Isto para não falar não tarefas convencionais do Estado, nos serviços básicos, que estão em crise. Por exemplo, hoje nosso padrão sanitário em São Paulo é pior que em 1950. No ensino, a situação é a que se conhece.
Há ainda uma outra questão que eu gostaria de mencionar. Existe alguma alternativa entre o capitalismo de Estado e o aprofundamento do desenvolvimento dependente, subordinado aos interesses das multinacionais?
Eu acho que a bandeira justa para todo aquele que se coloca em posição de defesa da e,presa privada nacional é o problema de repor o Estado à suas funções. Não se trata de combater o Estado, por combater. É preciso tomar consciência de que há uma deformação profunda e nociva aos interesses do País, que deve ser atacada e corrigida, e todos um caminho de iniciativa estratégica que o Estado negligencia. A mobilização da iniciativa privada no Brasil e a valorização do fator escasso que é o empresário nacional estão muito aquém do que se poderia e deveria fazer e do que já foi feito no passado. Só para exemplificar, gostaria de mencionar o que foi feito na década de 50, para implantar a indústria automobilística e a indústria naval no país. Foram usados estímulos extremamente eficazes e houve a preocupação estrita de colocar na balança os pesos necessários para que essa iniciativa se mantivesse. E menciono um exemplo da década de 50 sem nenhuma preocupação de estabelecer conotações políticas. Poderá alguém dizer que as grandes montadoras são grandes multinacionais, MS o fato é que em torno delas floresceu uma enorme constelação de indústrias nacionais de autopeças. O mesmo aconteceu com a construção naval, onde há hoje inúmeros estaleiros nacionais. E tudo foi feito dentro de um critério que se procurava responder a uma pergunta: o que é preciso para que haja desenvolvimento privado no Brasil? Outro setor muito vigoroso criado nesses termos foi o de cimento, que também é nacional e privado. Efetivamente, ainda não se esgotou o arsenal de estímulos para o desenvolvimento da livre empresa neste país. E não estou me referindo a incentivos fiscais.
Por último quero colocar o problema da tecnologia. Concordo em que a tecnologia é um dos componentes essenciais do desenvolvimento. Mas acho que, nesse campo, caminhamos para uma dependência crescente. E jamais teremos tecnologia sem um projeto nacional. O caminho sempre passou por copiar, adaptar e, depois criar, se é que se pode ser simplista nesse assunto. Mas temos que passar também pelo caminho de fechar a fronteira, fazer reserva de mercado, o Estado bancar o risco. Ainda mais que temos a peculiaridade de dispor de um enorme mundo agrícola, para a qual a tecnologia tem que ser criada aqui mesmo. Temos, como a agricultura, muitos outros setores básicos que não são mais objeto de interesse das multinacionais, que hoje vendem tecnologia de ponta e vão buscar recursos em países desenvolvidos. Existe, um vasto campo no qual não se coloca o dilema de entrar na área das multinacionais ou deferir tudo ao Estado. Há um enorme campo de manobras, especialmente no setor primário e em outros que já não são mais alvo das multinacionais, dos quais se não criarmos, ninguém vai criar. Ou fecha-se a fronteira e faz-se um projeto nacional ou vamos continuar comprando “caixas pretas” por muito tempo, adaptando, quebrando o galho em matéria de tecnologia. Nesse campo é preciso que o Estado banque o risco e jogue dinheiro a fundo perdido. Seria uma boa missão para os Geipots que estão por ai.
MILTON CABRAL – Acho que, para a compreensão , em toda a sua amplitude, do problema da intervenção do Estado no nosso processo de desenvolvimento, devemos levar inicialmente em consideração o fato de que somente de alguns poucos anos para cá, é que o planejamento econômico tomou um caminho mais sério, mais ordenado, com os planos nacionais de desenvolvimento. E, exatamente quando ingressamos nesse período de certa estabilidade de planejamento, passamos a sofrer a hegemonia dos economistas, dos tecnocratas ̶ e aqui me lembro das palavras ditas a pouco por Maurilio Biagi ̶ , de economistas e tecnocratas jovens, muito bem preparados intelectualmente, mas despreparados com relação à experiência e à vivência dos grandes problemas brasileiros. E tivemos que pagar um alto preço por isso, principalmente considerando que os economistas são profundamente divididos, talvez mais do que nós, da classe política.
E, nesse planejamento, creio, descuramos inteiramente de uma política demográfica mais consequente. Num país em franca explosão demográfica como o nosso ̶ já somos 108 milhões ̶ , não conseguimos estabelecer ainda uma política capaz de compatibilizar esse crescimento populacional com a disponibilidade de recursos que o país oferece. Descuidamos inteiramente da formação do homem, apesar das medidas nesse sentido, poucas, isolados, algumas recentes. Não dispomos por exemplo de um programa consequente, que resolva satisfatoriamente o problema da formação de mão de obra profissional em nível nacional, apesar de iniciativas louváveis e, como disse, isoladas, como a do Senai. As exigências, a pressão exercida por essa população crescente tem forçado o Governo a chamar a si a responsabilidade de resolver nossos magnos problemas sociais, em regime de urgência. Acrescente-se a isso, o fato de o empresariado nacional, descapitalizado, despreparado não ter condições de dar uma condição mais efetiva nesse sentido. Daí, a crescente intervenção estatal e o apelo ao capital estrangeiro, ambos com participação crescente na economia, em prejuízo do capital privado nacional, do empresariado nacional.
Isso não significa que o governo não esteja preocupado em fortalecer o empresariado nacional para que este ocupe o espaço que lhe cabe nesse tripé. Estão aí os PNDs, que falam no desenvolvimento da nossa economia de mercado; está aí o BNDE, que hoje se dedica a apoiar as iniciativas dos empresários brasileiros. Mas mesmo assim, o fato é que o problema fundamental da escassez de capital do empresariado nacional não foi resolvido. Veja-se, por exemplo, a preponderante preocupação com o mercado secundário de ações, em detrimento das importância do mercado primário, onde o empresário deveria ir buscar recursos para o desenvolvimento de seus negócios. Acredito que continuemos com essa grande deficiência: a falta de uma política agressiva de fortalecimento do capital da empresa nacional. É preciso, que os mecanismos sejam aperfeiçoados para facilitar, estimular o ingresso de capitais a nível primário, nas empresas privadas nacionais.
Outra falha, em minha opinião, é que a empresa nacional, não dispondo de capital suficiente, não pode desenvolver sua tecnologia. Criamos um número enorme de incentivos fiscais para tudo, menos para investimentos em tecnologia. Ora, a geração do conhecimento tecnológico não pode ser confiada exclusivamente ao Governo. Ao contrário, acho que ela deve ser estimulada ao máximo ao nível privado, que é a única maneira de se conquistar a independência tecnológica e capacidade competitiva.
Devo mencionar ainda o problema da competência empresarial. Temos um programa do BNDE para esse fim, mas ele ainda não produziu consequências satisfatórias. Não existem programas destinados a capacitar o empresariado brasileiro a trabalhar com maior produtividade.
São, portanto, três aspectos que considero fundamentais quando se coloca o problema do fortalecimento da livre empresa nacional dentro de um modelo brasileiro de desenvolvimento: capital, tecnologia e competência.
Outro problema que considero importante é o do mercado interno, que, em minha opinião, temos negligenciado. O mercado interno tem que ser uma base sólida para o nosso desenvolvimento em termos de economia de mercado, e as medidas para fortalecê-lo das quais me posso lembrar foram todas adotadas apenas de quatro ou cinco anos para cá. É um problema que envolve distribuição de renda, por exemplo, mas não quero debitá-lo exclusivamente a nossos jovens tecnocratas. O fato, porém, é que o Governo tem apelado para um processo de capitalização popular através de mecanismos compulsórios, objetivando aumentar o patrimônio dos trabalhadores e dar-lhes participação nos resultados das empresas. É o caso do PIS. Mas são medidas ainda sem a profundidade necessária.
Em todos esse processo, não resta dúvida que cabe aos empresários brasileiros uma grande parcela de responsabilidade. Principalmente porque eles jamais conseguiram entrosar-se no sentido de atuar como elemento de pressão para as grandes decisões nacionais. Essa participação não pode ser reclamada apenas por nós, os políticos. Também os empresários devem lutar por ela, mas parece que eles também não tem suficiente capacidade de se organizar, como classe, para exercer influência nas grandes decisões nacionais.
MAURILIO BIAGI ̶ Perfeito. De pleno acordo.
MILTON CABRAL ̶ Sou, por formação, francamente favorável à sustentação da livre empresa, mesmo porque a economia de mercado está intrínseco em nosso regime político. Se o regime é democrático, como está na Constituição, a livre empresa é parte do nosso sistema político. É inadmissível desenvolver um regime democrático com base na estatização da economia, que leva inevitavelmente à socialização. Este é o pensamento dominante da classe política brasileira, nos partidos ̶ o favorecimento de posições nitidamente nacionais, dentro de um regime democrático, com a economia baseada na iniciativa particular. É lógico que cabe ao Estado um papel importante nesse conjunto, mas um papel que deve ser contido dentro de certas limitações naturais de um regime democrático. Como é lógico também que não podemos prescindir do capital estrangeiro. Mas o mais importante, creio, é criarmos um empresariado nacional habilitado a competir. E, para que isso seja possível a política do Governo tem que atender ao fortalecimento do capital das empresas privadas brasileiras, às necessidades de nosso desenvolvimento tecnológico e ao preparo do empresário nacional. Isso a nível de pequena, média e grande empresa.
MAKSOUD ̶ De tudo que ouvi até agora, e acredito ter ouvido coisas importantíssimas, creio que faltou uma colocação que considero fundamental, que é o problema do papel do Governo diante dessa problemática de estamos debatendo. Se fôssemos analisar a coisa mais em profundidade, filosoficamente, eu diria que se trata de saber se o Governo está realmente exercendo uma função de governo, se está governando. Esse é um ponto vital. É lógico, e todos nós sabemos disso, que o Governo está trabalhando, está fazendo um a porção de coisas na área econômica. Também conhecemos a mentalidade brasileira, em todos os setores, que leva a pensar sempre, e muito, em termos de dependência do Governo, em termos de que o Governo é quem precisa dizer, fazer, dispor. É um dos piores vícios que temos e é por isso que nos afundamos hoje nesse marasmo de hipertrofias muito bem analisado por Lemme. Acho que precisamos ter muito mais Governo no sentido de governar, de conduzir, de dar conteúdo político-ideológico à nossa vida econômica. Qual é a diretriz ideológica, o conteúdo político-ideológico do nosso desenvolvimento? É o que nos está faltando. Teoricamente, temos uma economia de mercado. Teoricamente, cabe à iniciativa particular desenvolver a atividade econômica. Está na Constituição, está até nos planos nacionais de desenvolvimento. Mas na prática, o que vemos é essa tendência crescente à estatização, porque o Governo não se limita a governar, ele quer meter a mão no bolo econômico, quer ser empresário também. Então, o que é necessário é praticar a ideologia que está claramente definida em nossas leis, em nossa carta Magna.
ADROALDO ̶ Se entendi bem, o problema que você coloca é de mobilização política para que se chegue a essa finalidade de dar um conteúdo ideológico...
MAKSOUD ̶ É um problema de mobilização política, desde que saibamos definir bem o que é política. Tenho encontrado, ao longo de todo o tempo em que lido, discuto e debato com esse tipo de problema, de discussão, de debate uma certa dispersão de ideias em torno do que seja “político”.
MILTON CABRAL ̶ Político deve ser tudo o que leva ao objetivo final que é o bem comum.
MAKSOUD – É lógico que o objetivo final é o bem comum do povo, da nação. O problema é como se atingir esse objetivo. O problema é como se atingir esse objetivo. E é assim que entra, então, o papel do Governo como o grande timoneiro, o comandante. O Governo existe para governar e não para meter a mão em todo o bolo econômico, como se fosse o único empresário capaz e disponível.
ADROALDO ̶ Eu mencionei superficialmente o problema, que o Lemme colocou em termos mais precisos, mais enfáticos: no centro de todo o problema da estatização está o problema de Estado unitário. É a falta de mobilização nacional. E o tecnocrata não tem culpa disso. Ninguém tem culpa, individualmente. A culpada é toda a sociedade, que não se mobilizou politicamente. O debate político, o debate classificado pelo Lemme de democrático, é que vai cristalizar esse tipo de Governo que você deseja.
MAKSOUD ̶ Sim, mas precisamos estar conscientes de que vivemos num país pouco desenvolvido, em que há pouca gente mobilizável para debater, para discutir, para entrar nesse debate democrático. Mas existe um núcleo que é suficientemente amplo para mobilizar e estimular para esse debate: universitários, empresários, profissionais liberais, executivos de empresas, militares, homens do Governo. E é basicamente esse núcleo que precisa tomar consciência do problema a que me refiro. Tenho visto e ouvido muito pouco sobre o sentido ideológico de nossa política de desenvolvimento. Tenho ouvido, em círculos restritos, que o importante é o político, é fazer política. Que o que importa é redemocratizar o país, trazer de volta o Estado de direito, e então todos esses objetivos nacionais serão atingidos. Há equívocos e insuficiências nesses conceitos, pois no atual sistema brasileiro não foi ainda definido o que cada um chama de “político” ou o que cada um entende por Estado de Direito. Para começar a esclarecer, precisamos dar ao debate político um conteúdo ideológico e econômico muito forte. É verdade que a discussão também pode encaminhar-se para o ponto comum, abstrato, de que o fim de tudo, em política, é o bem comum.
ADROALDO ̶ Mas insisto em que você não pode definir aprioristicamente o que é político. A política vai ser definida justamente através da mobilização, do consenso. Essa atitude de definir aprioristicamente as coisas é a atitude paternalista que o Estado sempre assumiu no Brasil. As coisas se definem no processo. Não se pode definir aprioristicamente o que é político.
MAKSOUD ̶ Isso dá margem a uma interminável discussão no plano filosófico. O fundamental, em minha opinião, é partir de alguma coisa existente, para se chegar a qualquer definição. Parto de uma base político-ideológica e digo: é preciso dar conteúdo de realidade a essa base política. Acho que todos aceitam o que está escrito em nossa Constituição. Podemos partir Dalí. A base existe, só que não é cumprida, realizada.
ADROALDO ̶ Não estou querendo contrariar sua opinião, Maksoud, mas apenas dizer o seguinte: fazer política é mobilizar. Acho que o fato de estarmos aqui, conversando, já é uma mobilização política em torno de alguma coisa. É essa mobilização que vai definir a questão política. Você argumenta com a Constituição, mas eu acho que é por meio do debate que nós vamos identificar as causas da estatização. Talvez nos tenha faltado exatamente identificar o porque dad intervenção do Estado...
MAKSOUD ̶ Desculpe-me mas deixe-me interrompê-lo exatamente neste ponto. Tenho ouvido muito isso. Academicamente ̶ e uso a expressão com o maior respeito ̶ , é possível diagnosticar de imediato o porque de determinados fatos particulares. Mas não basta. Algo curioso sobre isso ocorreu comigo há pouco tempo. Fui procurado pelo principal assessor de uma grande organização japonesa que, passando alguns dias no Brasil, queria, apenas, conversar, trocar ideias sobre o nosso País. Espontaneamente, após conversarmos algum tempo sem que eu tivesse tido nada no sentido de crítica aos tecnocratas, ele me disse: “Lá no Japão perdemos muito tempo depois da guerra porque nosso Governo foi envolvido em suas atividades executivas por scholars, homens talentosos para caracterizar as causas dos fenômenos econômicos que nos afligiam, para diagnosticar nossos males. Até que um dia descobrimos que eles eram incapazes de propor medidas eficazes para sanar esses males que eles próprios diagnosticavam. Isto porque eram homens talhados para funções de assessoria ou ensino e estavam mal colocados em funções executivas de governo”.
É lógico que não quero, com isso, generalizar a critica a todos os economistas ou aos acadêmicos. Nem o japonês queria. Mas a questão é que uma maravilhosa caracterização dos fatos ocorridos e consequentes diagnósticos não servem para nada se os problemas não são resolvidos ou conduzidos para o caminho da solução, aplicando formulas que sejam coerentes , pelo menos, com regras político-ideológicas pré-estabelecidas. Quanto não se tem essas regras, então, é muito pior. É o que acontece no Brasil. Está nos faltando uma verdadeira liderança nesse processo de disseminação de um conjunto de regras com conteúdo político-ideológico para o nosso desenvolvimento econômico. A doutrina existe, está escrita na Constituição. Mas, na prática, estamos trilhando caminhos opostos.
O que é preciso fazer, então? É preciso despertar o Governo para essa realidade. É preciso conclamar nossas Forças Armadas, os homens de negócios, todos os que se interessam pelo futuro da Nação, para que isso seja feito. O Governo tem que ser alertado pela classe política, que necessita entrosar-se mais, necessita engajar-se mais num processo político que interessa realmente à vida econômica do País. Um país que não tem definição ideológica no campo econômico não existe, não vai a parte alguma. Vive em conflitos, vive num sistema híbrido, de semiprenhes, que não leva a nada.
É preciso, sim, mobilizar. É preciso que os poucos empresários nacionais que existem ̶ porque são realmente poucos ainda, em função da falta de clima para a atividade empresarial ̶ também se engajem nessa luta, nessa mobilização. Precisamos dar conteúdo à empresa privada nacional. Precisamos criar um clima de desenvolvimento que se baseie nos homens que vão empreender. E esses homens precisam ser respeitados e estimulados. O próprio Governo deve conclamá-los, sacudi-los, cobrar-lhes a participação no processo.
MILTON CABRAL ̶ Acho a sua colocação muito clara. Mas só gostaria de um esclarecimento: em sua opinião, o nosso processo de desenvolvimento não tem conteúdo ideológico ou o que se torna preciso é uma correção desse processo para que o conteúdo ideológico que existe se efetive?
MAKSOUD ̶ Eu diria que está acontecendo algo semelhante a um sujeito dizer “eu te amo”, mas na verdade não amar. No meu entender, não existe conteúdo ideológico. E coloco a coisa ainda mais agressivamente: não existe consciência da necessidade desse conteúdo ideológico. É algo que, eu diria, precisa estar no sangue e nos músculos. Tem que ser uma definição bem clara, que determine uma ação efetiva no sentido da iniciativa privada. É lógico que com todas as correções necessárias, com todas as limitações impostar pela vida moderna. Mas o conteúdo ideológico tem que ser bem definido.
MAURILIO BIAGI ̶ Em minha opinião essa falta de conteúdo ideológico não é novidade. Mas há outro ponto que julgo importante. Há pouco o Lemme comentou favoravelmente a instalação da indústria automobilística no país, nos fins da década de 50. O fato é que essas indústrias montadoras até agora não trouxeram tecnologia nenhuma pra o Brasil. Por acaso nós somos capazes de projetar um motor Volkswagen? O que a indústria automobilística conseguiu foi transferir para a Grande São Paulo a miséria que estava no campo, no Nordeste. Hoje São Paulo é o maior centro de miséria do Brasil.
RUBEN DA SILVA ̶ Concordo plenamente e creio que nosso trabalho no Rio Grande do Sul comprova isso.
MAURILIO BIAGI ̶ Exatamente. E, paralelamente, são necessárias iniciativas governamentais de estímulo à criação dessa tecnologia.
LUIZ BIAGI ̶ Esse estímulo oficial é básico. Vejam o que acontece conosco, na Zanini. Saímos do zero e chegamos ao ponto em que estamos, em matéria de tecnologia. E, é exatamente no ponto em que estamos que começa o problema, que entra o Governo. Daqui para frente, nosso setor não tem mais condições de atender às necessidades impostas pelo Governo, principalmente em razão das restrições impostas, pelo próprio Governo às importações. Foi um raciocínio simplista: diante do problema cambial, vamos restringir as importações; vamos substituir importações por bens de capital. Mas isso é falso porque, na realidade, o setor de bens de capital não está em condições de atender, por exemplo, ao programa siderúrgico. Então, o que vai acontecer? Nós, que até agora éramos mocinhos da história, vamos virar bandidos. Investimos durante 25 anos, para ter acesso a um novo status em matéria de tecnologia, compramos ingresso para entrar na festa e encontramos o salão lotado.
LEMME – Na verdade, temos doze anos de revolução e falta-nos um alinha ideológica, como diz o Dr. Maksoud. Combatemos a corrupção e a subversão, mas não criamos tecnologia própria. E, à medida que o capitalismo de Estado se expande, cortamos o estímulo do lucro. É o que eu chamaria de uma crise de conteúdo. Outro problema: Questão do circulo vicioso da poupança. O Estado capta e investe e o setor privado fica sem poupança para investir. Não se investindo, fortalece-se o mecanismo de poupança compulsória e resulta disso o seguinte: o BNDE, por exemplo, não financia mais empresa estatal só empresas privadas, que ficam, portanto, nas mãos do BNDE, do Governo. E, dentro desse processo de hipertrofia, acaba havendo uma enorme massa de recursos, de um lado, e escassez, de outro. Dessa massa fantástica de recursos, tenta-se devolver alguma coisa ao assalariado, pelo crédito ao consumidor, e às empresas, não pelo mercado de capitais, mas por um mecanismo tortuoso.
MILTON CABRAL ̶ Eu resumiria em quatro itens as medidas capazes de viabilizar um modelo de desenvolvimento para o Brasil, com base na livre empresa: primeiro, formulação, pelo Governo, de uma autêntica política empresarial, em absoluta consonância com os nossos princípios constitucionais, com base na iniciativa privada nacional; segundo à empresa nacional resultante dessa livre iniciativa e propriedade de brasileiros devem ser asseguradas efetivas condições de crescimento, competitividade e lucratividade, pelo fortalecimento financeiro, absorção e geração de tecnologia, disponibilidade de mão-de-obra de qualidade adequada e de administradores perfeitamente habilitados; terceiro, o capital estatal e o capital estrangeiro necessários à composição da estrutura produtiva terão de ser sempre complementares ao esforço privado nacional e, nesse sentido, os campos de atuação de ambos devem ser claramente delimitados; e quarto, a empresa brasileira estatal e privada deve ser garantida a prioridade na exploração dos recursos potenciais, de importância fundamental para o fortalecimento do poder nacional.
RUBEN DA SILVA ̶ De todos os aspectos das questões aqui mencionados, eu gostaria de destacar a necessidade do fortalecimento de nosso mercado interno. E é necessário atentar também para o problema de nossa estrutura agrária. É uma questão que tem sido negligenciada, porque quando se fala no assunto se pensa sempre em agitação, em subversão. Temos provado, lá no Rio Grande do Sul, que há uma infinidade de alternativas para se enfrentar esse problema.
MAURILIO BIAGI ̶ Dentro das linhas gerais de tudo que foi discutido aqui hoje, parece-me que há um consenso, um acordo geral com pequenas variações: a política de desenvolvimento tem que ser definida, com apoio à iniciativa privada nacional, enfatizando a necessidade da criação de tecnologia nacional. Esse me parece o caminho. Essas me parecem as prioridades, estabelecidas de modo a que, antes de fazer o mais, possamos fazer o menos, fazer o que é básico. Sempre quisemos crescer enfatizando o desenvolvimento industrial, e hoje já se reconhece que a Sudene errou, dando prioridade a investimentos industriais numa área onde a tecnologia agrícola deveria ter prevalência.
ADROALDO ̶ Concordo com a colocação do Maurilio Biagi, de que dentro do problema da tecnologia se devem estabelecer prioridades; e uma delas há de ser, necessariamente, a agricultura. Eu gostaria de mencionar também a questão do mercado financeiro, tão bem colocada pelo Lemme. O Governo capta recursos a taxas elevadíssimas e com correção monetária e só o Governo tem condições de devolver taxas subsidiárias. Se, com essa capacidade de dar benefícios muito caros ao setor privado, envolve recursos brutais, há aí algo de errado, de falso. São pontos importantes para reflexão.